segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Pra me conhecer melhor

Não sei se era bem assim, mas é do jeito que eu me lembro

No passado só haviam os índios . Eram as tribos Guainumbis, Uapés, Uapichanas, Mirunas, Aratãs, Guaicanãs e Irai que eu nem sei se era tribo ou nome de rio.

Devia ser rio porque as coisas giravam em torno dela.

Era tudo terra e quando chovia dois pequenos riachos se formavam nas laterais.

Por causa da terra e do mato havia alem de pés de goiaba e de mamona, muitos campinhos de futebol onde times de moleques jogavam de manhã à noite. No meio da molecada havia um craque chamado Cisca, diziam que as pernas tortas à la Garrincha e que davam o diferencial.

-Esse vai ser jogador! Não foi. Virou médico, como todos nós viramos alguma coisa, mas mantivemos um pouco daquele espírito de bairro, de turminha.

A turminha por sinal se reunia na padaria. A tarde rachava um tijolo, de sorvete, milimétricamente para ninguém ter vantagem. À noite se definia em que festa iríamos nós.

Algumas “de bico” como uma famosa: do Júlio Bico, que foi a uma festa e não nos avisou. Descobrimos. E o berro do Mané na porta da casa selou o apelido desse Julio para sempre: Julio Bicooo!!!

Esse não é o nosso Julio, o Julio Cruz nervoso jogador de war e de pôquer, nosso neurocirurgião a caminho do Nobel, que infelizmente nos deixou, mas o nosso Nobel é seu, Júlio.

Mas havia festinhas que não íamos de bico. Eram as festas dos grandes festeiros do bairro: a Carmem do Waldir, a casa do Delloso, as festas em volta da piscina do Marcello, e outras inesquecíveis, que infelizmente agora, esqueci.

Nessas festas alem de aprender a beber uísque, mal da nossa geração, aprendíamos a namorar. Alguns aprenderam tão bem, ou não, que se casaram com nossas amigas.

A trilha sonora dessa época eram os Beatles. Mas dançávamos mesmo quando as músicas italianas dos Endrigos, dos Morandi e das Pavones começavam a tocar. Sappore di Salle era o hino para tirar uma garota pra dançar, ou La mer e Aqueles Ojos Verdes com o Ray Connif. Acho que por nossa causa que ele acabou vindo tanto ao Brasil depois.

O mais importante: a maioria desses discos estava nas caixinhas de madeira do Mário. Será que ele ainda tem? Junto com aquela coleção de compactos para o lançamento da Pepsi-cola no Brasil.Ele deve ter, mas não me empresta.

No fim de noite atravessávamos a pé a favela, e os campinhos de futebol que ficavam ao lado do córrego da Traição, ali onde hoje é a Bandeirantes, e íamos tomar café no aeroporto. Os meninos da favela e nós tínhamos muito mais em comum do que jogar bola. Apenas o acabamento das nossas casas nos diferenciava. Espero que suas casas e suas oportunidades de vida sejam agora iguais as nossas.

O Aeroporto de Congonhas ! Havia até a AFA Associação dos Freqüentadores do Aeroporto. Tomávamos café , líamos os gibis na livraria La Selva , com o dono batendo na mesa de vez em quando gritando: “Vamos Ler “, para espantar garotos como nós que só liam e nunca tinham dinheiro para comprar uma revista.

Não havia prédios do lado do aeroporto e o som dos aviões se espalhava pelo bairro. Quando desceu o Caravelle , o primeiro avião com turbinas o barulho foi tão ensurdecedor que todo bairro saiu de casa para vê-lo. Das casas dava pra ver a pista do aeroporto.

Tinha também o hambúrguer do Chico Hambúrguer na avenida Ibirapuera onde passava o bonde. Meninos eu vi! e andei de bonde e. Ali era Moema, ou melhor, pra mim Moema começava quando as ruas de Indianópolis mudavam de nome de índio para nome de flor . E a divisão era exatamente a linha do bonde.

Mas quem morou mesmo em Indianópolis tem que ter estudado no Colégio Professor Alberto Levy. Escola pública daqueles bons tempos em que se aprendia e se ensinava com garra e que a escola era nossa, não deixávamos ninguém apedrejar.

Maria Alice, Maria Teresa, Ana Maria , Marlene,Mara, Denise, e Eliana era assim que as meninas se chamavam, e a gente namorava passeando de mãos dadas no quarteirão atrás do Levy.- educação formal e sentimental - essa escola nos dava tudo.

Havia também a TV Record, ficava na Moreira Guimarães, onde hoje é a Rubem Berta. A Record foi uma das pioneiras, hoje é a mais antiga TV Brasileira. Naquela época, década de cinqüenta, os programas eram ao vivo, e a gente ia assistir sempre ao Circo do Arrelia e a Ginkana Kibon aos domingos,ou comer bolo e tomar milk shake de chocolate no programa Pulmann Jr, um programa de desenhos que passava toda tarde.Tinha também o Capitão Sete, a Turma do Sete.

Nosso herói era o Capitão SETE que saia até nos gibis, morava em um sobradinho ao lado da TV. No chão da garagem os ladrilhos vermelhos desenhavam o escudo do Capitão 7. E quando ele aparecia na janela, não precisava insistir muito para ele pular de lá até o chão. Esse foi meu primeiro super-herói.

Atrás da TV ficavam as Rádios Panamericana (Jovem Pan) e Record e no boteco do lado a gente encontrava sempre com um sujeito engraçado que cantava suas músicas enquanto tomava a cervejinha. Era o Adoniran, ele mesmo o Adoniran Barbosa de Saudosa Maloca, Trem das Onze e um monte de outras músicas que eu, e quase todo brasileiro assobia ou canta de vez em quando. A gente da calçada ficava vendo o Adoniran, era um show só para as pessoas do bairro.

Nessa época ainda havia cinema de bairro. Não era Plex nem Max, eram Joá e Jurucê , bonito não é ? Meu pai me levava sempre às 6 da tarde no sábado. Passavam dois filmes: um estrangeiro e um nacional.E o principal era o brasileiro. Ou com Oscarito e Grande Otelo, ou Zé Trindade, Pagano Sobrinho, Derci , Eliana,Anselmo Duarte, as vezes , me parece que só eu me lembro desses nossos ídolos.

Ah, não falei ainda da Cruz Vermelha, dois imensos quarteirões cercados por um muro alto, com os hospitais, mas também com muitas árvores frutífera.

Os muros eram um desafio que vencíamos sem medo quando um balão de São João cismava de cair por ali. Lá dentro sempre tinha um guarda pra correr atrás de nós. E nós sabíamos onde ficava exatamente cada árvore que teríamos que subir para pular de volta pra rua, e se tivesse sorte com o balão na mão.

Bons tempos...Que para os nossos filhos parecem tão antigos que não dá nem para imaginar. Falando em filhos, os meus se estivessem aqui, já estariam dizendo:

-Chega pai! Ninguém agüenta mais essas velhas histórias que você já contou duzentas vezes.

Então é melhor parar aqui. Com uma ameaça: eu ainda continuo!

3/03/2006

De 1955 a 1975 vivi em Indianópolis ou Planalto Paulista , na avenida Irai quase esquina com a Alameda Uapichana. Minha casa ainda está lá.Dema é meu apelido desde criança.

Moro agora há mais de vinte anos em Pinheiros, mas não tenho muita história para contar

do meu novo bairro.. Sou professor e radialista. Tenho 3 filhos .

esse texto está no site da prefeitura sobre a história dos bairros

Um comentário:

  1. Fala Dema! Eu fui da tribo da Guainumbis de 56 a 70. Já conhecia a sua crônica, e me identifico completamente com ela. É o Flash back da minha juventude. Valeu!!!

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